sábado, 24 de junho de 2017

O novo emprego



Sim, depois de alguns de anos de muita busca e ralação, arrumei um emprego. O pacote completo, chefe, crachá, nine to five, mesa, computador, prazos e almoços corridos. É claro que a vida muda completamente. O tempo volta a ser um bem escasso e quase não admistravel e a grande pergunta que ficou na minha cabeça quando comecei era como eu iria dar conta, como admistrar a casa, as meninas, as refeiçoes,  as roupas, as compras sem empregada ou faxineira? Não demorou muito para sacar que simplesmente algo se perderia no caminho, não dá para fazer tudo nas mesmas 24 horas. Foi preciso aprender a não olhar para as imperfeições, parcelar a arrumação, cozinhar mais simples, dar uma arrumadinha no banheiro todo dia pra nao acumular e assim vem sendo, vista grossa é o lema. A vida continua mesmo assim e sempre gostei do exercicio de ter mais simplicidade em tudo.  Mas tudo tem seu preço é claro, e o que se perdeu no caminho nesta minha nova vida são os pares das meias de toda a familia. Problema sempre presente porém agora cresce exponencialmente. Desconfio do buraco na camada de ozônio. Tenho certeza que há na galaxia, no meio do buraco negro, meias orbitando numa espiral sem fim.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Um amor, uma árvore.



Hoje de manhã, quando eu estava caminhando  comecei a reparar nas folhinhas verdinhas que estão começano a brotar aqui e ali. Uma delicia pensar que tudo que está cinza vai ficar verde de novo. Lembrei de uma história verdadeira e linda.  Poul é um dinamarques de mais de oitenta anos que conheci há três anos atrás. Uma daquelas pessoas que a gente tem uma afinidade imediata, como se o conhecesse a vida inteira. Era uma reunião de familia, parentes do meu marido. Estavamos passando uns dias na Dinamarca e fomos convidados para um almoço na casa do Poul e Grethe,sua esposa.  A casa deles era um daqueles tipicos sobrados europeu de cem anos atrás com pé direito alto, assoalho de madeira de tábuas grossas e barulhentas, velhas fotografias amareladas na parede: filhos bebês, netos bebês, noivas sorridentes em preto e branco, um antepassado bigodudo e bravo. Nas mesinhas, as toalhas de crochê em baixo de uma prataria já gasta, de tanto polimento. Na cozinha, pilhas e mais pilhas de louças de cores, tamanhos, idades diferentes. Gerações de louça empinhada um grande armário de madeira escura.
Na parte dos fundos desse sobrado, um enorme gramado. Era verão, nós e toda a familia do Poul se espalhou naquele quintal. As crianças jogando futebol, primos cuidando da grelha. Eu feliz da vida de estar em um jardim no sol fraquinho dinamarques, peguei meu copo de vinho e sentei em baixo da única arvore daquele quintal.  Uma árvore enorme, linda e estranhamente escorada por um cabo de aço que a segurava em pé. Fiquei observando a engenhoca de aço e percebi que a árvore tinha sofrido algum problema mas que estava viva e florida.
Poul se aproximou e educamemente perguntou se podia sentar comigo no banco. Claro que sim.
Perguntei sobre a árvore, o que tinha acontecido com ela?
Então Poul explicou. Quando casou com Grethe estavam os dois jovens procurando uma casa para morar. No minuto que entraram pelo portão da frente, Grethe viu a árvore e se apaixonou. O engraçado diz Poul sorrindo, que ela nem quis ver a casa, os banheiros, a cozinha. Já tinha escolhido. Era aquela árvore com a casa junto.  Viveram a vida toda no casarão, tiveram seus filhos e netos naqueles quartos. Um dia um raio caiu bem na árvore, ela foi eletrecultada e tombou. Um desastre. Poul então imediatamente amarrou um pesado cabo de aço no tronco, o levantou e escorou.  Uma operação quase militar disse ele. Dias de trabalho duro. A árvore estava claramente morta mas ele, inconformado, colocou-a de pé. Passaram alguns anos até uma timida folhinha verde brotar no tronco chamuscado. Nem mesmo ele acreditou, me disse. Na primavera daquele ano, a árvore inteira se encheu de folhas.
 Poul, sentado ao meu lado,  sem saber muito bem quem eu era, me contava tudo aquilo como velhos amigos, ele tinha e tem o maior orgulho da sua árvore ressucitada.
Esta história não saiu mais da minha cabeça. Gostei tanto do jeito que Grethe escolheu a casa, ou melhor a árvore da sua vida. E mais ainda como, por amor, Poul  levantou a árvore do chão, mesmo todo mundo falando que não ia sobreviver.  Ano passado soube que Grethe faleceu. Eu nem conheço Poul direito mas mas gosto muito de imaginar que ele a tem por perto quando senta naquele banquinho e olha sua árvore.

sábado, 3 de setembro de 2016

Viés


Que tal se a gente parar de prestar atenção no que as pessoas estão vestindo, que carro estão dirigindo, com quem dividem a cama. E se a gente prestar a atenção no caráter, no amor que esta pessoa tem para dar e receber. Sim, tô meio hippie hoje, eu sei, mas não é só isso, tenho filhas e sou responsável para tentar passar para elas o que realmente fica, o que vale. As vezes tenho a sensação que no tabuleiro do mundo minha geração pegou uma carta azarenta do tipo: agora volte dez casas e fique sem jogar duas rodadas. Tem me dado uma preguiça enorme de lidar com pessoas, coisas e situações absolutamente radicais, como se não houvesse mais cinza. Só o preto no branco. Donos de muitas regras e sem nenhuma exceção. Donos de cargos e projetos super cool, de insights que você nem entendeu direito mesmo do que se trata. Tempinho atrás eu tinha até algum saco. Hoje não tenho mais tanto.
Conversei hoje pelo telefone com meu pai, que vem se recuperando de uma cirurgia que o deixou bem debilitado. Ele tem oitenta e alguns. Me falou que, ao chegar nesta idade, depois de tanta gente próxima, amigos mesmo ele conta com uma mão só. Falei pra ele que tenho a mesma sensação mesmo sendo bem mais nova que ele e que acho que é assim mesmo, sem dor no coração. A gente é assim. As vezes, mesmo gostando muito das pessoas, não damos a atenção que deveríamos dar, ou seja, toda. Se tenho alguma coisa que desejo a mim mesma é muita iluminação nesta vida pra gastar meu precioso tempo aqui neste planetinha com pessoas e coisas que olhem mais pra frente do que pro umbigo, que sejam generosas nos sorrisos e nas idéias. Que sejam curiosas e simples. Que sintam dores e ódios como qualquer ser humano mas não gastem seu tempo nem meus ouvidos pregando este mal humor . Há que se recuperar uma elegância. Um saber a hora de falar e a hora de calar. Da gentileza sem segundas intenções, a gentileza por ela mesma, suprema elegância. E pra finalizar este texto de forma positiva, me orgulho sim de ter alguns amigos muito, muito elegantes na maneira de pensar mas principalmente, na maneira de agir.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

America Latina. Cool.






Estávamos eu e ela na cozinha. Ela tinha acabado de chegar da escola e estava com aquela fome típica de quem tem 15 anos e o mundo pode acabar se não comer alguma coisa rápido.  Abria e fechava armário a procura de qualquer coisa parecida com alimento para jogar na boca, engolir e repetir o movimento até a fome passar. Processo que pode levar alguns minutos e terminar com várias portas abertas de armários, frutas mordidas, migalhas pelo chão. Como um pequeno furação doméstico. Olhei para ela e reparei como ela estava bonita. Claro que filha a gente sempre acha linda, mesmo parecendo um dragão faminto na cozinha, mas ela realmente estava.

 - Bonita esta sua blusa, nunca vi você vestir.

A filha responde com olhar entediado de quem tem 15 anos, com fome,  para a mãe que já não sabe mais nada sobre o mundo: - É claro né mãe, tava inverno até ontem aqui na Suíça, como você quer que eu use esta bata? 

A doce resposta após meu elogio. A bata que ela vestia era uma bata meio hippie, com um rendado bem brasileiro, branca,leve. Grande contraste comparado ao que estávamos vestindo durante todo o interminável inverno.
Pausa silenciosa e ruído de mastigação rápida na cozinha. 

Logo ela quebra o silencio com  o informação para a mãe completamente desatualizada no mundo. - Mãe, sabe que agora ser da America Latina é cool?

- Como assim cool? perguntei eu já com o medo de outra resposta doce.

- É mãe, quando a gente chegou aqui, cinco anos atrás, ser latina era uma porcaria. Agora todo mundo acha legal, todo mundo quer ir pro Brasil, quer conhecer o Chile, Peru, Argentina. Ser latino meio que tá na moda aqui. 

- Que bom filha, acho interessante estes modismos, mesmo neste momento tão desgraçado de America Latina..melhor então a gente aproveitar a onda. Mas porque você falou isso?

- Ah sei lá, to percebendo.. e tem a bata mãe, hoje na escola não teve uma menina que não veio me perguntar onde comprei esta bata. Todas estas coisas tão super na moda.. acho engraçado também. Antes ser brasileira era bem ruim, agora não mais. Vai entender..

O papo acabou. A filha subiu escadas com seu iPhone e fechou a porta. Eu fiquei pensando na bata, na moda, na lama que estamos chafurdando no Brasil. Nos adolescentes Europeus achando o máximo a America Latina. Como uma nova Berlin oriental atrasada com muro e tudo, como uma China sedenta  pós comunismo, uma ex-União Soviética explodida em mil países. Uma curiosidade pelo caos, pela beleza não domada e organizada, um interesse por um lugar onde tudo ainda tem que ser feito. Vai ver é assim que o mundo se equilibra. Tomara. 
 
créditos da bata: presente da sempre elegante tia Maria Inez.



terça-feira, 17 de maio de 2016

liquidação, fuja dela.



Tem coisas que a gente ja sabe que pode dar errado mas uma forca cósmica nos leva a testar os limites. Liquidação por exemplo . Comprei uma calca estes dias por 10 francos. 10 francos é irresistível, saí da loja com aquela sensação que toda mulher conhece de ter feito o negócio do ano. E claro, que como toda peça de liquidação precisava dar uma adaptada para servir melhor. Precisava fazer a barra. A força cósmica me fez ignorar este detalhe.
Aqui na Suíça  para fazer a barra é algo praticamente em extinção. Ninguém faz barra acho. Uma lojinha de turcos na Alemanha queria me cobrar 15 francos. Mais que a calça e eu arruinaria meu excelente negócio.  Barra se faz em casa por aqui e todo mundo sabe pois tiveram dois anos de aula de costura no primário (ensino público) .
Foi aí que a odisséia começou. Tenho uma máquina de costura que uma amiga me deu e pensei: por que não tentar? É só uma barrinha.
Meu despreparo é tamanho que o processo todo durou seis longas horas de um domingo. Desde enfiar a linha no labirinto da máquina consultando o manual escrito em alemão ou italiano, até conseguir fazer tudo em linha reta, coisa simples para o resto do mundo, não pra  mim.
Escutei todo o jogo de futebol da liga européia já que não conseguia desgrudar a mão do tecido para trocar de estação do rádio com medo de arruinar todo o trabalho. E no fim de tudo percebi que tinha usado linha azul marinho ao invés de preta. Além de cega devo estar ficando daltônica.  Mas estou orgulhosa! A barra tá feita e posso desfilar minha calça de 10 francos mais trabalhosa de toda história da Basiléia.


domingo, 8 de maio de 2016

A mãe da minha amiga



Hoje ela foi embora, no dia dela, dia das mães. Dia da mãe da minha melhor amiga.
E na na minha cabeça, sentada aqui com meu café, uma coleção de pequenas histórias vão passando. Cleusa levou  eu, a filha dela, e mais um bando de adolescentes para o Rio de Janeiro. Todos na Belina pela selvagem Rio-Santos. Parecia um sonho conhecer o Rio. Mas ela foi bem clara: olha, eu levo vocês para o Rio, mas com uma condição. Vocês vão comigo no show do Martinho da Vila no canecão. E lá fomos nós, bando de adolescentes, descobrir com a Cleusa que o Martinho da Vila era o castigo mas divertido que podia existir.
Quando éramos pequenas  Cleusa nos levou ao Playcenter, não sei se uma vez ou várias, já não lembro mais. Parecia sonho, lembro que não dormia de ansiedade. Chegando lá, vi a Montanha Russa e vi todos meus amigos gritando de alegria. Eu em pânico, não conseguia nem pensar na idéia de subir naquele troço. Ela com sua voz doce sentou comigo no banquinho e falou. Deixa eles irem, se você tem medo, a gente senta aqui. Você não precisa fazer uma coisa que não quer para ficar no grupo. Tá tudo certo, eles vão lá ficar de ponta cabeça e a gente fica aqui tomando sorvete.
E já nos meus 20 anos,  quando terminei  um namoro de anos com um namorado que todo mundo gostava. Havia um certo olhar de censura pela minha decisão, meus amigos perguntavam Como você pode terminar assim com ele? Eu me sentia mal, mal pelo fim, mas por ser a malvada, mal por não saber se estava fazendo a coisa certa. Lembro que a Cleu ouvindo eu e Déia conversando na sala sobre os prós e contras da minha decisão, falou lá da varanda. Dri, sabe que eu acho? Acho que você está certíssima.
Na última vez que fui ao Brasil fui vê-la . Visita rápida pois ela já estava doente e cansada. Antes de sair, dei um abraço apertado de quem já sabe ser último. E na porta ela fala: olha Dri, toda noite tem uma listinha de pessoas que eu peço a Deus proteção.. E toda noite, peço que Deus projeta você, o Kai, a Lele e a Cati. Toda noite.
Obrigada Cleu, obrigada por ser a mãe da minha melhor amiga. Descanse em paz.



segunda-feira, 2 de maio de 2016

Distante


Quando o coração pesa uma tonelada. Quando um amigo precisa da gente por perto e a gente precisa do amigo fica muito difícil estar aqui tão longe. Queria um teletransporte, um pó de pirlimpimpim. Um truque do Mandraque, o nariz da feiticeira pra me transportar para São Paulo agora. Já.  Tá difícil me concentrar em qualquer coisa  hoje.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Faxina dá confusão mental. Cuidado.



Tem uma moça que vem de 15 em 15 dias na minha casa fazer faxina. Aqui se paga por hora e o pessoal trabalha 4 horas em média.  A hora da faxina é 25 francos. Tá, converter não é certo, mas só para ter uma idéia do luxo que é ter uma faxineira: quatro horas de faxina custa trezentos e oitenta contos.
A tal da moça que vem em casa é uma brasileira gente finíssima que trabalha duro para se manter aqui e conseguir mandar dinheiro para o pessoal lá em Goiás. Sua mãe e seu filho.
Sempre tenho vontade de perguntar a história da vida dela e como ela veio parar neste  país tão longe, frio e com um dialeto esquisito. Não pergunto por respeito, porque sei que a história não deve ter tido um bom começo e imagino que nem todo mundo esteja disposto a se abrir como uma estranha. Eu não estaria.
Acontece que desde fevereiro a moça está de férias no Brasil. Foi ver seu filho e sua mãe.  Disse que passou mais de ano juntando dinheiro e que andava com um nó na garganta de saudade. Disse que tava chorando à toa e que não era disso, sempre foi valente. Melhor ir ver mainha me disse ao se dispedir.
Eu tõ sem a moça e com a faxina. Até então tudo bem. Quem vive aqui aprende logo que o dia a dia da casa é todo seu e que faz parte limpar os banheiros, lavar a roupa, cozinhar e passar.  Mas hoje, depois de ter passado uma semana fora estudando a coisa ficou insuportável.
Acordei determinada a dar uma geral de cima a baixo. Não ia restar pó sobre pó.  Nem uma meia solta na lavandeira. Nem um copo de suco abandonado no quarto das meninas. Nem papel de bala no vão do sofá. Cada fio de cabelo ia ter seu fim. (três mulheres em casa dá praticamente uma peruca sobrando no chão).
Comecei as sete e meia e terminei meio-dia. Tô exausta fisico e mentalmente. Entre uma esfregada e uma vassourada, passei estas horas todas me perguntando coisas que já estavam resolvidas na minha cabeça, falando comigo mesmo.  Acabei querendo mudar tudo, eu e o mundo.  Fiz planos e desfiz. A casa tá limpa e a cabeça uma zona.
Faxina pega pesado, tem efeito colateral perverso, que vai muito além da dor na lombar. Cuidado.
Moça, se você estiver lendo este texto,  dê lembranças á mainha e volte logo. Seu trabalho vale cada real da pequena fortuna que pago.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Aquele abraço




Acho que como a maioria, fiquei p.. da vida com as última noticias políticas. Não sei se sou coxinha ou se sou povão por simpatizar com alguns escritores desbocados  intelectuais que admiro muito.
Aliás, é uma boa pergunta essa. Dá pra ser ao mesmo tempo branca,  da considerada elite, admirar escritores que remam contra a corrente e não ser coxinha? Ou sendo branca, da elite e pior, morando na Suíça me torno automaticamente Coxinha Mór? Sendo ou não, tô como todo brasileiro que acordou com a sensação de ter tomando um tapa ardido na cara. Pensei no 7 a 1, na Zika, em Mariana. Tá uma maré esquisita e é mundial.  Pensei nesse Trump ganhando estados nos Eua.
Ontem no bonde  minha amiga americana falou que estava com vontade de chorar, não sabia bem o porquê. Ela achava que não era tpm, era por causa do Trump, do cara motivando o povo contra imigrantes, a favor das armas, etc,etc. E eu nem consegui explicar pra ela quando ela me perguntou o que estava acontecendo no Brasil. Só falei que precisava descer dali a duas estações e que seriam necessárias pelo menos umas 20 pra entender mais ou menos a bagunça. Marcamos sábado na casa dela para eu explicar. Deus me ajude. Já me imagino começando... once upon a time a former president...
Mas não escrevo por isso, pois o Face está lotado de desabafos. Escrevo porque privilégio ou não, estou aqui vendo tudo de fora. To sentada aqui no meu escritório e está tudo certo lá fora. O ônibus chegando na hora, a escola pública acolhendo minhas filhas, a estrada sem nenhum buraquinho, prefeito indo trabalhar de bonde todo o dia.  Tudo como manda o figurino. Só que este cenário só entra na minha alma emprestado, não é de fato meu. Não me pertence. Meu coração bate pelo Brasil e sempre vai bater. O que eu queria mesmo é mandar um abraço apertado.  Dizer que é preciso ter esperança. E que a gente vai acertar o passo de novo, tem muita coisa boa acontecendo,  pequenas coisas, mas ainda sim, vitórias. Somos uma democracia e mesmo alguns escapando, tem muito nego sendo pego na roubalheira, tem gente fazendo ótimo cinema, tem cientista trabalhando contra o relógio, tem professor inventando um jeito de ensinar apesar da total falta de recurso, tem água caindo do céu e enchendo represa. Tem muito o que fazer eu sei, mas até isso é um bom sinal. Aqui tá tudo direitinho, nada muito mais por fazer, mas lendo a história recente deste país sei que  isso aqui já foi uma bela zona também com muitos ingredientes atuais do Brasil, menos com o sete a um.  Eles nem chegaram nas quartas, são bons em muitas coisa mas bem ruins de bola.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

pra trazer um sorriso



A carta bem gordinha, cheia de selo que chega com seu nome
O bem-casado no bolso do paletó no dia seguinte
O último palito de fosforo na caixinha pra esquentar a sopa
A música que não se ouvia há quinze anos toca de novo no rádio.
O dinheiro achado bolso
A chuva forte vista pela janela do quarto
O cheiro de café logo cedo
A fotografia amarelada que cai de dentro do livro
A saideira que o garçom não incluiu na conta


Só com isto já dá pra ser bem feliz




domingo, 25 de outubro de 2015

A volta.


A maioria dos meus amigos estrangeiros que moram aqui estão muito bem integrados e felizes com a Suíça. Já chamam este morar fora de casa, vão para seus países de origem visitar e voltam pra cá, suas casas. Chamam essa nova pátria com esta profunda palavra CASA.
Eu  ainda sofro a cada saída.  Saio do eixo, perco a referencia, me sinto novamente estrangeira. Como se tirasse uma casquinha do machucado e a carne volta a ficar exposta.
Dizem que a casa da gente fica onde o coração está. Mas será que quem escreveu isso nunca ficou com o coração dividido? um pedaço cá outro lá.
Faz uma semana que voltamos do Brasil. Viagem rápida, encontros rápidos meio rasos mas profundos ao mesmo tempo. Transito, dentista, família, praia, comida. Tchau, hora do aeroporto. Foi nesta velocidade alucinante que vivemos estes 15 dias de Brasil.
Agora a casquinha caiu e fico aqui esperando a nova casquinha formar para parar de doer. E a coisa toda se expande a nível familiar. A dor é das meninas também.
Mas não é uma desgraça, já conheço esta dor e sei que ela vai embora, questão de tempo, tempo, tempo.. Não sou muito de mimimi e pra mim, um ótimo remédio é sair caminhando. Caminho até cansar, vou olhando a paisagem e voltando a me habitar.  Funciona. Talvez seja um tipo de meditação.
Na minha familia se falava, e acho que era minha bisavó, que quase toda dor se cura com um passeio. Talvez ela falasse isto pois naquela época não tinha remédios e nem anti-depressivos. Tinha a dor e tinha o passeio e tinham que se virar com isto. Ah! Tinha a canja de galinha também, que segundo os ancestrais, levanta até desenganado.
Canja pro jantar e amanhã, Graças, é outro dia.








quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A lista da fome





Está chegando a hora de ir para o Brasil de novo, matar a saudades enorme que eu tenho da minha família e queridos, muito queridos amigos.  A parte que eu mais gosto que antecede a viagem é a lista que começamos a fazer aqui em casa sobre os desejos alimentares de cada um.
A cada jantar o papo começa novamente e vamos formando a lista.
Helena quer muita manga. Manga no café da manhã, almoço e jantar. A manga daqui é branquela e sem cheiro, não vale. Além da manga, outro menu muito aclamado é o macarrão da vó. Pode ser todo dia também, não há problema nenhum quanto a repetição.
Catarina tem desejos diversos:  o croissant de presunto da padaria da rua Sócrates que o avô busca todo dia para  o café da manhã da sua neta amada. A bala Sete Belo que o mesmo avô a viciou anos atrás e que podia três depois do almoço. O rosquinha de manteiga e chocolate do mercadão de Santo Amaro, estas teremos que comprar de sacos, porque vicia também. E pra não ficar só nas guloseimas, Cati quer um filé de pescada a dorê, comprado em Barequeçaba.
Eu quero acordar com um queijo branco só pra mim todo o dia. Redondo e todo meu. Com bolacha água e sal e café com leite. Mamão papaia também vai. Bife da minha mãe com salada de agrião. Pode haver repetição também, vários dias, sem problemas. Japonês, quero muito sushi e sashimi e saquê. Quero ir lá no da Bandeira Paulista que esqueci o nome.
Kai quer bacalhau, pé de moleque e paçoca. Pode ser tudo na mesma refeição inclusive.
Ah! Estava esquecendo da mandioquinha frita, a qualquer momento e a qualquer hora e se ninguém tiver nada contra pode vir acompanhada de uma casquinha de siri.
E o que é pior.. sem nenhuma culpa.



quarta-feira, 22 de julho de 2015

Fui.


A última vez que estive no Brasil me assustei com o mundo de gente me falando que eu tive sorte de sair do país e que se fosse eu, não pensava mais em voltar. Foi assim no táxi, no dentista e assim com muitos amigos meus com carreiras e famílias consolidadas no Brasil. Tentei falar que, quando saímos do Brasil, há quase cinco anos, as coisas já estavam bem complicadas. Minha irmã retrucou: não, você não imagina, mas tá pior.

O brasileiro tá de saco cheio. O pobre, o rico, o remediado. E não é por razão de guerra, fome, peste como muitos que chegam em barcos furados aqui na Europa pedindo pelamordedeus para ficar. O Brasileiro tá de saco cheio dos politicos que elegeram, do famoso jeitinho institucionalizado que antes bonitinho e charmoso virou propinão sem graça.
Tá de saco cheio dos seus dois carros na garagem que não andam mais na cidade.  Puto com futebol feio e corrupto. Tá encolhido de medo atrás do vidro blindado.

Tô aqui fora,  vendo o belo Brasil que foi a esperança dos meus bisavós e avós imigrantes em um mundo melhor, virar do avesso.  Se estivessem vivos, como será que eles veriam a minha volta a Europa pelos mesmos motivos que os trouxeram ao Brasil?

Mas posso falar por mim, estar fora do Brasil tem sua dor, uma dor fina e eterna.  O Nizan Guanaes escreveu uma ótima crônica sobre isto esta semana na Folha.  A Revista Trip também fala disso na atual edição.  A batata tá quente. Se der, leia.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Mundinho



Então eu moro aqui, numa simpática cidade Suíça  de 20.000 habitantes encostada na Alemanha. Na minha pequena rua, na casa ao lado,veio um dia  morar uma família de brasileiros. Até aí tudo bem, brasileiro tem em todo lugar. Mas o mundo foi encolhendo quando, já bem amigos, descobrimos que tinhamos sido vizinhas no litoral brasileiro, tinhamos tomado os picolés do Rocha, comprado artesanato no Nicinho e pão na mesma padoca, sem numa ter se esbarrado nos 41 anos que passamos os verões por lá.  Além da questão geográfica, somos filhas de médicos, formados pela mesma universidade e meu pai trabalhou com o primo dela no mesmo hospital.
Agora eles vão morar longe... muito longe. Estão de mudança para China, vão para Xangai, cidade com milhões de habitantes.  E por incrível que pareça, o mundo encolheu mais um pouco.  Eles estão em contato com uma outra família de brasileiros da mesma escola onde as crianças vão estudar em Xangai  para tirar algumas dúvidas da nova longínqua moradia. Fui saber o nome da moça  brasileira lá na China e aí o mundo ficou bem pequenininho. Estudei com o irmão dela desde o primário até o colegial. Não bastando, éramos sócias do mesmo clube em São Paulo.

Sempre vou ter a dúvida se são simples coincidências ou se tem mesmo alguém mexendo os pauzinhos lá em cima, colocando pessoas e histórias no nosso caminho.

domingo, 7 de junho de 2015

O que é luxo para você?

Quando falo que moro na Suiça para alguém que não me conhece direito, posso ler na cara da pessoa um pensamento do tipo: nossa... que sofisticado deve ser morar na Suiça.
Ficava um pouco sem graça e perdia algum tempo tentando me justificar, quase me desculpando por morar neste país.
Atualmente não faço mais isto e também não me importo tanto com a opinião de quem não me conhece direito. Me importo muito com a opinião dos meus queridos amigos, afinal, todos nós só queremos deste mundo é ser amado e isto dá trabalho para uma vida.
As vezes é difícil explicar que morar é muito diferente do que fazer turismo. Morar significa conviver profundamente com uma cultura que não é a sua. Morar aqui é fazer 100% o serviço de uma casa todos os dias.
Morar aqui também significa falar três idiomas todos os dias e muitas vezes não ser compreendida e também não entender o que se fala.  Ir a uma festa e ficar muda pois não consigo acompanhar a velocidade dos diálogos. Sair da festa exausta e  com a sensação que você poderia ser tão  mais interessante. Mas ninguém ali nunca vai saber mesmo.

Morar aqui é se preparar muito para ir numa consulta médica e entender direito o que o médico mandou você fazer para sua filha melhorar logo, e mesmo com todo o preparo, você não entendeu que eram gotas e não comprimidos que tinha que comprar.

Morar aqui é não ter família por perto para um colo rápido ou me jogar no domingo em um sofá, comer o prato que minha mãe faz, deixar as crianças com eles e ir ao um cineminha.

Mas sabe qual é meu luxo aqui? Meu luxo, a minha sofisticada rotina é sair todo dia na rua e não ter medo nenhum.

A cada dia que passa, a cada noticia que ouço, me torno mais viciada na sensação sem igual de poder simplesmente ir e vir.




quinta-feira, 30 de abril de 2015

Farinha do mesmo saco


Levei um balde de água fria, um soco de direita, uma rasteira e doeu. Mas não sou a única. Vou explicar.
Estes dias estava fazendo um trabalho voluntário para a prefeitura de Basel. Um evento bacana. A cada três meses, a prefeitura aluga um grande barco para navegar pelo Reno por uma hora e convida todos os novos moradores estrangeiros, aqueles que vieram com contrato para  trabalhar em Basel. Neste barco é oferecido um coquetel e vários estandes oferecem serviços e informações para estas famílias recém chegadas. O objetivo é ajudar o imigrante a se sentir menos perdido e com isto, facilitar  a adaptação.  Eu estava trabalhando no estande de integração, explicando para os convidados sobre alguns passeios e eventos que existem de graça para a família se integrar a rotina da cidade.  Neste barco especificamente, a grande maioria eram de novos imigrantes que falavam línguas românicas, até por isto fui chamada. Conversei com mexicanos, italianos, brasileiros,espanhóis e franceses recém-chegados, a maioria com aquele olhar  de curiosidade e pânico tão comum aos novos imigrantes.   A minha chefe neste trabalho é uma americana que se dedica a este processo de integração há muitos anos. Uma mulher culta e bem relacionada, é consultora da Novartis, Roche e outras grandes empresas locais.  Enfim, uma profissional de respeito.
Já no fim do trabalho, o barco chegando ao cais, lá fora um fim de tarde lindo, começamos a conversar sobre diferentes assuntos e comentei com ela que eu tinha achado este barco com menos convidados do que das outras vezes que já trabalhei e que talvez poderia ser pela nova política de restrições a imigração que a Suíça aprovou no ano passado.
A resposta dela foi num tom de quase cochicho como revelando algo que só nós poderíamos entender: - "No, no.  the boat is crowded, but they`re all Latin people here, and Latin people hates informations, they only love parties, so they`re all out side, at the deck, having a drink"  (não,o barco está lotado. é que são todos de origem latina, e latinos odeiam informações, eles gostam é de festa, tão todos tomando um drink no deck)

Na hora senti meu sorriso cair do rosto e junto a admiração por ela. Respondi um inaudível - ahã, ok... e fui arrumar minhas coisas.  Fiquei confusa pensando se ela, por algum momento, tinha lembrado que eu era brasileira, portanto, latina e que estava trabalhando para ela, sem ganhar nenhum puto, dando informações em três línguas, apesar de também adorar festa e drinks no deck.

Passado a minha  raiva (ela nem percebeu o fora), já no bonde de volta pra casa fiquei pensando que eu faço exatamente o mesmo que ela havia feito. Também acho que Suiço é fechado, alemão é serio e que toda padaria na França é maravilhosa.  Generalizar é uma forma que encontramos de tentar rotular e ao colocar o rótulo ficamos mais calmos e seguros pois sabemos como lidar com a situação.

Acho que não dá pra evitar de generalizar, a gente faz isto a toda hora, mas aprendi hoje, na pele, que deve ser um processo íntimo, que jamais deve ser comentado ou exposto. Você vai machucar alguém, pode ter certeza.


ps. mas toda padaria francesa é maravilhosa, tenho certeza.